"Eu tenho dúvida se os Estados Unidos, de fato, vão escalar essa crise", diz o cientista político Fernando Schüller, um dos painelistas do evento Giro pelo Rio Grande em Santa Maria

Colaborou Deni Zolin

Foto: Arquivo Pessoal

A Fecomércio promove na noite desta terça-feira (2) a edição Giro Pelo Rio Grande em Santa Maria. O evento, a partir das 18h30min, no Floratta, terá como painelistas o cientista político Fernando Schüller, integrante do programa Canal Livre, da Rede Bandeirantes, e colunista da revista Veja, e o consultor econômico da entidade, Marcelo Portugal. As inscrições são gratuitas e realizadas no site da Sympla.

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Na tarde de segunda-feira (1), Schüller, que mora em São Paulo, falou, por telefone, ao Diário sobre o cenário econômico e político do país e possíveis consequências. Confira os principais trechos.

Diário de Santa Maria – O senhor vai ser um dos painelistas da edição Giro pelo Rio Grande da Fecomércio em Santa Maria que vai discutir os rumos do país do ponto de vista econômico e político. Que avaliação o senhor faz desse cenário hoje de muita instabilidade tanto econômica quanto política no país?

Fernando Schüller – Eu diria assim: nós temos desafios estruturais no Brasil, agora mesmo a gente está discutindo modernização da Reforma Trabalhista, o tema da pejotização, estabilidade jurídica para contratações, imagina um empresário, às vezes de pequeno porte, de comércio, bem e serviços, precisa contratar, tem que ter a segurança jurídica de que aquilo não vai virar um contencioso jurídico. Nós temos um problema fiscal no país. Nós temos um déficit fiscal crônico que pressiona a taxa de juros, taxa de juros perto de 15%, que é alta, que encarece crédito no país. E, enfim, pressiona a inflação e uma série de outras questões. Nós temos, além de problemas muito grandes, do tipo, como resolver a questão da educação pública no Brasil, que é um problema crônico, que não vem desse ou daquele governo, mas é um problema do país. E mesmo diante desses problemas, que são estruturais, a gente gasta muita energia no Brasil com as questões conjunturais de curto prazo. Então, a briga política, a polarização, esquerda e direita, a discussão eterna sobre o golpe, o julgamento A ou B. Todas essas questões é que acabam contaminando, digamos assim, o dia a dia da sociedade, do debate político, do Congresso Nacional, mesmo da nossa Suprema Corte. E, digamos assim, distraem o país das questões estruturais. Isso é um paradoxo brasileiro.
Eu diria que é um problema de grandes democracias. Acabam sempre dominando a curto prazo. Ao invés de se pensar as questões que realmente afetam a vida das pessoas. pessoas no longo prazo. No caso do Brasil, qual é a grande desafio? Produtividade, como melhorar o ambiente de negócios, não é? Como melhorar a a questão social brasileira.
Nós temos hoje um enorme problema de muita gente dependendo de programas de transferência de renda, mas menos acesso a emprego formal, né, de qualidade, remunerando bem, com treinamento profissional. Então, assim, o pouco do Giro pelo Rio Grande é a gente discutir as pautas que realmente interessam ao empresariado, a quem emprega, a quem contrata, a sociedade de uma maneira geral.

Julgamento de Bolsonaro

Diário – E, dentro dessas polêmicas de curto prazo, tem o início do julgamento do ex-presidente Bolsonaro. Independentemente da decisão que reflexos que o senhor acha que esse julgamento vai ter aí para o cenário político e também econômico do país?

Schüller –  Acho que grande. Acho que o presidente Bolsonaro deve ser condenado, pelo que tudo indica. E já tá em prisão domiciliar, talvez passe a uma prisão, um regime fechado, mas há uma certa incerteza sobre isso. De qualquer maneira, acho que se mantém isso. Quer dizer, o ex-presidente condenado não é preso, seja domiciliar ou não, fora do processo eleitoral, inelegível. E sem comunicação de redes sociais. Acho muito difícil que o Supremo levante ao bloqueio de redes sociais do ex-presidente. Como ele é o grande eleitor, digamos assim, o grande influenciador deste campo de oposição ao governo, chamado campo da direita no Brasil, obviamente isso tem reflexo, porque a grande dúvida é quem Bolsonaro irá indicar como seu sucessor. Na medida que o sistema político se der conta de que Bolsonaro, de fato, está fora do jogo, ele terá que indicar um sucessor. Ele pode ser Tarcísio de Freitas (governador de São Paulo), pode ser alguém da família. Eu acho que essa definição vai ser a pauta política brasileira nos próximos meses. Eu acho que pode ter muito ressentimento, há uma divisão desse campo da direita, há um setor mais radicalizado que apoia aí as tarifas em torno do Eduardo Bolsonaro (deputado federal), que eu acho que tem restrições aos governadores que são mais moderados, Ratinho Júnior, como o Euzébio, o próprio Tarcísio de Freitas.
Há um setor mais pragmático que acho que tenta virar a página e ter um novo candidato, possivelmente um dos governadores e bomba lá para frente. Então, acho que curar um pouco essas feridas nesse campo político vai ser a pauta para ver quem vai disputar a eleição com o Lula no ano que vem. E, de qualquer maneira, acho que essas definições vão ser nos próximos meses.

Eduardo Leite

Diário – O senhor já falou de alguns possíveis governadores que têm chance de concorrer. No caso do Eduardo Leite, o senhor acredita que ele tem alguma chance de concorrer ou é difícil ele se filiando ao PSD?

Schüller – Ele tem dentro do PSD a concorrência do Ratinho Júnior (governador do Paraná). O Gilberto Kassab (presidente nacional do PSD), que é hoje o grande articulador não só do PSD, mas um dos grandes articuladores políticos do país. Ele pragmaticamente passa a ideia de que Ratinho Júnior pelo fato de que integra, de alguma maneira, esse campo da direita de maneira mais clara, hoje é um candidato mais plausível. Porque pode, eventualmente, ter apoio do ex-presidente Bolsonaro. O Eduardo Leite tem uma outra inserção, quer dizer, ele é um candidato mais independente, ele é, digamos assim, mais focado, fixado nesse conceito da terceira via. Ele insiste muito nessa ideia, nem Lula, nem Bolsonaro, precisamos de uma terceira via. E a pergunta relevante política é: existe espaço hoje no Brasil real para uma terceira via ou o Brasil ainda depende dessa polarização, ainda depende de uma candidatura que seja apoiada de um lado pelo PT, pelo Lula, que no caso é o próprio Lula, nesse caso, e outro apoiada pelo ex-presidente Bolsonaro?
A minha leitura, e acho que de muita gente, que, inclusive, é a do próprio Gilberto Kassab, é de que objetivamente se entrar no mérito, a política brasileira ainda é polarizada, ela ainda depende dessa polarização, dessa tensão, desse apoio explícito dos dois campos políticos. E nesse sentido ficaria mais difícil para uma candidatura de terceira via. Mas nada se exclui,  acho que o Eduardo Leite tem toda a razão, estrategicamente faz sentido, ele colocar o seu nome. Porque a política é assim, você tem que tentar, você tem que colocar o seu nome e ninguém tem a varinha mágica , nem uma bola de cristal para saber o que vai acontecer. Mas eu acho que, neste momento, uma candidatura pura, digamos assim, de terceira via é um pouco mais difícil.

Taxação dos EUA

Diário – Ainda sobre o julgamento de Bolsonaro numa eventual condenação do ex-presidente pode agravar a irritação do Trump em relação às taxações norte-americanas aos produtos brasileiros?

Schüller – É evidente que vai agravar a situação. Eu não entro no mérito aqui, acho que nenhum país vai ceder do ponto de vista institucional uma pressão econômica, não um país do tamanho do Brasil. Não faria isso. Mas a grande pergunta é: o governo dos Estados Unidos vai dobrar a aposta? Porque aí a pergunta é se você vai ter muita pressão de setores da economia americana que tem interesse no Brasil, os setores do empresariado brasileiro que negociam com os Estados Unidos, então, a Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, enfim, que vão pressionar para que isso não aconteça, para que essa crise não escale ainda mais.
Então, o Brasil já é um ponto fora da curva em termos de tarifas. Já teve a lei Magnitsky (sanções financeiras ao ministro Alexandre de Moraes), a questão vai ter algo além da lei Magnitsky? Essa lei vai ser aplicada aos demais ministros que votarem pela condenação do Bolsonaro? Quer dizer, os Estados Unidos vão, digamos assim, apertar esse botão, ampliar ainda mais essa crise? Se os Estados Unidos fizerem isso, o Brasil vai retirar o embaixador, então vai criar uma crise diplomática, vai-se cortar relações diplomáticas entre o Brasil e os Estados Unidos. Nunca aconteceu na história. Eu tenho dúvidas se os Estados Unidos vão escalar essa crise dessa maneira. Não acho que o Supremo irá recuar, porque não tem nenhuma razão para recuar nesse momento, não tem razões institucionais para fazer isso. Eu tenho dúvida se os Estados Unidos, de fato, vão escalar essa crise.


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Jaqueline Silveira

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